segunda-feira, 20 de julho de 2009

Rapunzell

- Meu Deus? Será possível? Uma princesa no cimo desta torre? Finalmente as minhas preces foram atendidas, finalmente uma mulher... uma mulher para mim!

- E nem pedes a minha opinião?

- Princesa?! Conseguias ouvir-me aí de cima?

- Tipo, ya. E não sou nenhuma princesa, tá?

- Para mim és uma princesa! Só podes ser!

- Mas não sou. Sou uma rapariga normal. Nunca viste uma rapariga normal presa numa torre?

- Não, princesa. Na verdade nunca vi muitas raparigas, mas posso dizer-te: és bela!

- Isso foi para mim?

- Claro que sim!

- Não me dizes nada de novo, já sabia disso.

- Desculpa! O que seria algo de novo para ti?

- Se alguém me levasse a jantar...

- E posso ser eu a levar-te, princesa?

- Bem, se não há mesmo mais ninguém...

- Não te vais arrepender. As minhas capacidades sociais estão muito bem desenvolvidas. Tenho a certeza que nos vamos divertir.

- Pois, mas há um ligeiro problema. A cena é que, não sei se reparaste, mas estou presa nesta torre...

- Que crueldade! Quem te fez isto, princesa?

- Isso não interessa! Anda mas é aqui buscar-me.

- E como posso eu fazer isso?

- Tipo, escala a torre, duh?

- Certo princesa! Sendo assim, escalarei a torre! Por ti, vou escalá-la! Logo à tardinha voltarei para te salvar meu anjo! Lanço-te todo o meu carinho!

- Ya, ya, jokax fofax.

*

- Voltei! Estou aqui! Prontinho para te ver de perto!

- Sobe lá isso, gajo.

(tump tump tump tump tump tump tump tump tump)

- Oh! És ainda mais bonita do que parecias ao longe! Escreverei poemas sobre a tua pele! Nunca vi olhos tão límpidos! Tu és sinceramente, a perfeição.

- Ah, ya, que fixe. Já tinha reparado, por acaso.

- E o teu cabelo! Lindo, longo, forte! Daria até para me elevar desde o bosque até aqui!

- Claro, claro, deixa estar que é mesmo isso...

- É espectacular o teu quarto. Se não és uma princesa, certamente te sentirás como uma nestes aposentos.

- Tem dias...

- É tudo tão cor-de-rosa! E pelos posters dá para ver que aprecias heavy metal.

- Não ligues a isso, não fui eu quem colocou essas coisas na parede. É melhor irmos embora. Devem estar quase a chegar os sons...

- Tudo como quiseres!

(tump tump tump tump tump tump tump tump tump tump)

- Finalmente a floresta! Há já algum tempinho que não vinha aqui!

- Ainda bem que estás feliz. Se estiveres feliz, eu estarei feliz.

- Ya, e quanto ao jantar, bora?

- Absolutamente sim! Vamos ao restaurante mais elegante que conheço!

- Ok ok.

(...)

- Já te disse que és muito bonita?

- Foda-se, parece que não sabes falar de outra coisa! Já te disse que sei que sou bonita, que queres mais?

- Algum tipo de agradecimento seria educado. Afinal, desci-te daquela torre...

- E já não vou jantar contigo? Não é esse o melhor agradecimento que te posso dar? O luxo da minha companhia é pouco? É pouco para ti?

- Desculpa princesa. Claro que não é pouco. Jantar contigo será uma honra suprema. Desculpa-me.

- Que não se repita.

- O restaurante já é aqui pertinho.

(...)

- É este. "Os 3 Porquinhos". Gosto muito de jantar aqui, especialmente a especialidade da casa: Porco na brasa.

- Deve estar a gozar comigo... tipo, sou vegetariana, não reparaste?

- Desculpa, não sabia! Não reparei nisso!

- Mas devias ter reparado! És tão insensível!

- Então vamos procurar um restaurante ao teu gosto e...

- Deixa estar. Eu peço uma omelete.

- Tens a certeza?

- Tenho, anda lá. Vamos jantar. Diverte-me.

(...)

- Miam. Este porco na brasa está mesmo muito bom. Queres um pouquinho?

- Oh estúpido, cala-te! Eu abomino carne!

- Pois é... és vegetariana. Comes vegetais e essas coisas.

- Ya, "e essas coisas".

- Como está a tua omelete?

- Sinceramente, sabe a carne. Não como mais desta merda. Também não vale a pena. A comida só serve para engordar.

- Mas princesa! Tu estás magríssima!

- Como uma baleia.

- Não, como um esqueleto mesmo!

- Isso para ti é um elogio, cabrão? Não sei o que me impede de ir embora daqui...

- Princesa... eu... eu amo-te.

- És um bocado precoce, não? Diz-me, também és assim na cama?

- Isso é privado. Por favor, senta-te, não te vás embora. Quero pedir-te uma coisa.

- Diz lá.

- Conta-me a tua história. Porque estavas presa naquela torre?

- Ok, isso é algo que te posso conceder. Atingiste-me no ponto fraco. Não há nenhuma miúda que não queira falar sobre si. Bem, sei lá, hum. Vivo lá há 3 anos. Queres ouvir a versão crua dos acontecimentos ou queres a versão mais soft?

- Se crua. Crua e honesta. Peço-te isso.

- Pareces um apóstolo, sempre a pedir. Bem, então o que aconteceu foi isto:

Vivia perfeitamente num apartamento de luxo na baixa. Costumava dizer que vivia na alta, cenas de pita, percebes?

- Percebo.

- Tudo me corria bem, a escola, o ténis, o ballet... sentia-me realizada. Apenas as fortes saudades da minha mãe me faziam despertar do meu estado de euforia constante.

- Onde estava a tua mãe?

- Abandonou-me quando eu tinha 10 anos. E deixou o meu pai sozinho a tomar conta de mim.

- Continua.

- Então um dia... talvez atrofiada com sentimentos confusos ou sei lá, acabei por me envolver com a minha madrasta.

- Desculpa, espero não me estar a intrometer muito, mas... gostas de mulheres?

- Ya, sou lésbica, não tinhas reparado?

- Princesa, não acho que isso seja algo que se repare assim muito facilmente...

- É sim. Quando não se é um totó, é claro. Mas como estava a dizer, não foi algo de todo planeado. Simplesmente aconteceu. Cheguei a casa à meia noite e 35, lembro-me bem. Lá estava ela, incrivelmente sensual, deitada no sofá. Aconcheguei-me junto a ela, como costumávamos fazer, e de repente, os nossos lábios tocaram-se. Foi mágico. O momento mais bonito da minha existência.

- Então és mesmo lésbica?

- Completamente. Os homens não me atraem. Nem intelectualmente.

- E como foste parar à torre, afinal?

- Numa dessas sessões de amor completo, fui apanhada pelo meu pai. O olhar dele era de pura desilusão. Naquele momento. perdeu a sua mulher e a sua criação. Fechou-me na torre, cor-de-rosa, é certo, mas onde todas as noites, ao longo do eco, reproduzia heavy metal para me torturar.

- Não gostas, é?

- Pior, faz-me lembrar a minha madrasta. Ela adorava metal, sabes? E aquele som, era a lembrança absoluta e dolorosa que não a podia ter mais. Ela era tudo para mim. Fazíamos amor ao som de Anathema. Compreendíamo-nos, estudávamo-nos, com toda a delicadeza que a paixão proibida mãe-filha permitia, com toda a sensualidade verdadeira de verdadeiras amantes. Acho que não percebes o quanto ela é importante para mim.

- Ainda a amas?

- Para sempre.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei :)